ROLANDO COM ALGORITMOS: Como aplicar pensamento computacional no Jiu-Jitsu



Aula ministrada no Café no Dojo em 28/10/24 por Daniel Cavalcanti, sob a orientação do sensei Thiago Caitanya.


Introdução a algoritmos

Um algoritmo é um conjunto finito de operações ordenadas passo-a-passo para resolver um problema ou realizar uma tarefa. Todo algoritmo recebe um conjunto de entradas, as quais são transformadas ou processadas por um conjunto de operações sequenciais, produzindo uma saída. Receitas são o exemplo clássico de algoritmos: os ingredientes são a nossa entrada, os passos são as operações, e o resultado é a saída. O termo passo-a-passo indica a necessidade de completar cada etapa antes que a próxima inicie, pois os passos possuem dependência temporal, o passo seguinte depende do que é produzido no passo anterior. As operações devem seguir uma ordem pré-definida, não é possível assar o bolo antes de bater a massa.


As operações devem ser bem definidas, isto é, não podem ser ambíguas. Este conceito frequentemente encontra falhas na sua aplicação. Retomando a analogia da receita de bolo, quando a receita contém a instrução “adicionar ovos” entendemos que eles serão quebrados e seu conteúdo adicionado, porém não se deve esperar este entendimento de quem está seguindo o algoritmo. A ambiguidade pode ser resolvida neste caso com uma sequência de operações tal como: “Quebrar os ovos. Separar a casca de seu conteúdo. Descartar as cascas. Adicionar o conteúdo dos ovos.” Os passos devem ser claros a fim de remover entendimentos incertos.


Quando o algoritmo é observado numa sequência começo-fim é interpretado como um conjunto de passos para atender um problema. Um algoritmo pode ser observado também no sentido oposto, do fim ao começo. Neste sentido pode ser interpretado como sendo um conjunto de requisitos para atingir um objetivo. O produto final de uma receita de bolo depende, por exemplo, de um forno, da temperatura correta, de tempo para assar, de instrumentos, dos ingredientes. Na ausência de algum destes requisitos o algoritmo deixa de ser realizável.



Cinemática humana como operações algorítmicas


A cinemática é a parte da biomecânica que estuda o movimento humano. O corpo humano é composto por uma área central, o tronco, quatro apêndices, os braços e pernas, e a cabeça. Cada parte possui suas possibilidades de movimento, limitadas pelas faixas de movimento das articulações e capacidade de força a ser produzida pela musculatura. Neste foco de geometria de movimento, incluindo deslocamento, velocidade, e aceleração das partes do corpo, pode-se considerar as capacidades de movimentos como operações possíveis em um algoritmo. Assim, movimentos complexos podem ser quebrados em uma sequência de passos.


Ao considerar o ato de andar, pode-se pensar num algoritmo de caminhada: parte-se de uma posição inicial com pés na largura do ombro, braços em descanso e torso em postura ereta. O peso é deslocado para uma perna. A perna oposta, agora leve, é levantada pelo flexor do quadril. O centro de equilíbrio é deslocado à frente pelo quadril. A perna levantada é projetada à frente. O pé da perna levantada é colocado no chão. O peso é deslocado para a perna à frente. Repete-se o algoritmo com a perna de trás.


Realizamos o ato de caminhar diariamente, porém raramente analisamos a complexidade do ato em si. Ao quebrar o ato de caminhar em suas operações algorítmicas é possível realizar diferentes estudos. Primeiramente, se as operações estão corretas, um indivíduo pode se movimentar incorretamente e não perceber, por exemplo, ao puxar o corpo pela perna em vez de utilizar o quadril no movimento. 


Sendo verificada a corretude do movimento, é possível analisá-lo quanto à sua otimalidade. O entendimento da biomecânica permite entender e melhorar o desempenho atlético ou até mesmo empregar soluções fisioterapêuticas. Em tempos modernos esta análise biomecânica é disponível à atletas de alto desempenho por avaliadores especializados com uso de equipamentos de vídeo para esmiuçar as menores variações de movimento do atleta e emprego da cadeia cinemática.



A importância do movimento e das particularidades individuais


Certo dia um professor de Jiu-Jitsu, atleta de alto nível e campeão mundial, iniciou a aula da turma avançada com um aquecimento simples. Os alunos deveriam começar na posição sentado com pernas em borboleta, projetar o corpo a frente e levantar apoiado nos pés. Muitos dos alunos não conseguiram iniciar o aquecimento e então o professor entendeu: aquele não era o horário da turma avançada.


Frequentemente pensamos no desempenho atlético individual como o principal limitador da capacidade de movimento de um indivíduo. Entretanto, há diversas outras influências tais como altura, peso, flexibilidade, lesões, deficiências, e até mesmo conhecimento sobre como se movimentar com algum objetivo em mente.


Todo professor de Jiu-Jitsu sabe a dificuldade de ensinar o primeiro movimento fundamental a um aluno iniciante: a fuga de quadril. É uma forma de locomoção muito específica à luta de solo, desconhecido para novos praticantes e não é intuitivo. A exigência atlética deste movimento é baixa, porém sua complexidade reside na forma inovadora de movimentação e no desenvolvimento da coordenação motora para sua realização. Considerando as particularidades individuais, a tarefa torna-se ainda mais desafiadora no caso de um aluno pouco atlético com menor capacidade de levantar o quadril para iniciar o movimento.


O movimento é o fundamento basilar do Jiu-Jitsu. O Jiu-Jitsu é dinâmico, não existe Jiu-Jitsu estático. Até mesmo a distribuição e aplicação de peso, a famosa “pressão”, depende de ativação muscular. Os movimentos definem as operações possíveis a serem realizadas no contexto algorítmico do jiu-jitsu e cada indivíduo possui sua forma específica de movimentação.



Estado inicial: condição inicial para início das técnicas


A fim de exemplificar, considere o resultado da receita de bolo, caso a tigela esteja suja ou possua conteúdos diversos antes do primeiro passo. Todo algoritmo é dependente das condições iniciais.


No Jiu-Jitsu moderno estão sendo criadas respostas para a necessidade de condição inicial. Um exemplo é a posição do “quartel-general”, do inglês Headquarters (HQ), popularizada por Rafael Lovato Jr., onde a primeira preocupação do passador é atingir a posição inicial. O passador só inicia a passagem ao atingir essa condição inicial, de onde diferentes formas de passagem são possibilitadas como o “knee cut, "toreando", “side smash" ou “over under".


Para os competidores é importante entender a condição inicial como um gatilho e nisto combina-se a importância de treinos repetitivos (drills). A posição inicial para o emprego dos algoritmos no jiu-jitsu deve sempre ser buscada para o emprego efetivo das subsequentes operações, entretanto, frequentemente ocorre quando o atleta encontra-se numa posição de vantagem. O atleta deve em seu treino sistematicamente identificar e praticar estas posições, e na luta, reconhecê-las para imediatamente empregar as técnicas decorrentes da posição, sem hesitar.



Técnicas são algoritmos: empregar sequências de passos


Kahneman (2011) descreve em seu livro “Thinking, Fast and Slow” duas formas pelas quais o pensamento humano funciona.  A primeira forma de pensamento é o Sistema 1, rápido, automático, inconsciente e intuitivo, possui baixo esforço de operação e permite tomar decisões rápidas com base em padrões históricos e experiências. A outra forma de pensamento é o Sistema 2, lento, deliberado e consciente, faz uso de esforço mental e intenção para resolver problemas difíceis.


É necessário o uso de ambos os sistemas de pensamento no treino do Jiu-Jitsu. Nas palavras de um sábio sensei: “não é suficiente a mente conhecer as técnicas, o corpo precisa saber fazer” (CAITANYA, 2022).


A maior parte do treino do atleta iniciante e do competidor fora de temporada deve trabalhar o Sistema 2 de pensamento. Nesse treino o atleta deve pensar em quais são seus objetivos no Jiu-Jitsu, formular um conjunto de passos para atingir esses objetivos e ter em mente os propósitos de cada passo. É nesta fase de estudo em que o atleta irá pensar nas técnicas como ferramentas para resolver problemas.


Para desenvolver um algoritmo é útil pensar em suas componentes e como elas podem ser combinadas para atingir um resultado. Dentro da guarda fechada, o passador possui uma única opção de abrir a guarda antes de iniciar qualquer outro processo. Abrir a guarda é seu objetivo e a saída desejada de seu algoritmo. As entradas são as conexões disponíveis com o guardeiro: as mãos, as axilas, a lapela, a cintura da calça, o osso do quadril, o joelho, e até mesmo os pés. Ao pensar em outras possíveis entradas começamos a vislumbrar a infinitude do Jiu-Jitsu, a conexão com o solo também é uma entrada, assim como conexões com o próprio corpo. Fica então a pergunta de quais são as operações envolvendo estes elementos para atingir o objetivo desejado.


Existem infinitos algoritmos possíveis para resolver qualquer problema, entretanto, vamos postular um para resolver o problema de abrir a guarda fechada para o passador:


1 - Permanecer posturado com a coluna reta;

2 - Manter dedos dos pés ativos;

3 - Estabelecer conexão com as axilas do guardeiro com pegada em C, polegares pra cima;

4 - Esticar os braços mantendo uma estrutura (frame);

5 - Caminhar ou saltar os pés a frente;

6 - Levantar o quadril;

7 - Estabelecer base de combate (um pé a frente e outro para trás em 45º);

8 - Elevar o torso;

9 - Estabelecer conexão com uma mão no quadril do guardeiro;

10 - Estabelecer conexão com a outra mão no joelho do guardeiro;

11 - Empurrar os braços em direção ao chão.


Após o desenvolvimento do algoritmo, é necessário validá-lo. A única forma de validar um algoritmo é através de seu teste. No ambiente computacional, pelo Teorema da Parada de Church-Turing, a única forma de fazer isso é efetuar cada passo do começo ao fim e anotar os valores obtidos num teste de mesa. No ambiente das artes marciais a forma de validar o algoritmo da técnica é no teste de tatame, colocando a técnica à prova.


Após validação da técnica outro passo importante é sua depuração. Depurar neste sentido significa eliminar impurezas, erros, do nosso algoritmo e refiná-lo. É nesta etapa, após o atleta ver que a técnica funciona, que ele a adapta a sua morfologia, seu nível de atletismo e ao seu próprio Jiu-Jitsu.


O estudo do Jiu-Jitsu e estímulo do Sistema 2 é importante para o atleta consolidar fundamentos e conceitos da arte. Entender não somente o conjunto de passos a serem efetuados para resolver um problema, mas sim o motivo do emprego destes passos. Entender o porquê do fazer permite ao atleta não somente maior eficácia mas também improvisar em situações novas.


Diversas piadas são feitas sobre faixas brancas, mas quantos atletas graduados, inclusive faixas-pretas, não usam o cotovelo para abrir a guarda? Utilizar o cotovelo com este propósito é completamente válido, porém deve-se refletir sobre seu motivo. Talvez estes atletas nunca tenham recebido a explicação sobre o uso de estruturas (frames) e seu propósito, e pensem que a guarda é aberta pela dor na coxa em vez do uso de alavanca na coxa ou joelho em relação ao quadril.


Esclarecendo este último ponto, as estruturas (frames) descrevem a estrutura esqueletal de suporte criada pela posição dos braços, cotovelos, mãos, pernas, joelhos e pés, em relação ao corpo do oponente, criando uma barreira ou suporte que ajuda a manter a distância ou a controlar o adversário. A estrutura é utilizada para empurrar ou segurar o oponente enquanto o atleta se movimenta para longe.


Após a mente aprender o Jiu-Jitsu, e o atleta armazenar em sua memória, os conceitos e passos necessários para efetivar as técnicas, é hora do corpo aprender Jiu-Jitsu pelo estímulo do Sistema 1.


O uso de treinos repetitivos, drills, tem múltipla função. A primeira é a de treinamento da coordenação motora, desenvolvendo adaptações neuromotoras e permitindo ao atleta melhorar seu movimento. Outra é a criação de memória muscular para tornar o emprego das técnicas instintivo.


Em uma competição o atleta deve estar sempre à frente de seu adversário. O competidor forçado a lutar por recuperar terreno está sempre em desvantagem. Muitas vezes segundos fazem diferença e o atleta não pode se dar ao luxo de parar e pensar em seu próximo movimento. A resposta deve ser automática.


Uma grande falácia é pensar no jiu-jitsu como o xadrez do corpo humano. No xadrez cada atleta realiza um movimento por vez. No jiu-jitsu o atleta deve realizar os seus movimentos quantas vezes forem necessárias e não permitir a realização dos movimentos do adversário.



Identificar problemas e sua decomposição em subproblemas


O Jiu-Jitsu transmite várias características ao praticante difíceis de serem explicadas, somente o praticante entende isso. Entretanto, um ensinamento entendido por todo praticante de Jiu-Jitsu é de que problemas possuem respostas, mesmo que a resposta muita vezes seja: “não chegue nessa posição”.


Tomando o exemplo do passador dentro da guarda fechada, um subproblema comum é como isolar o quadril em relação aos pés para abrir a guarda. Não importa qual método de abrir a guarda, todos eles têm esse ponto em comum.


Na Computação, o conceito algorítmico da Estratégia de Dividir e Conquistar ensina a compor soluções maiores pela combinação de subproblemas. Ao invés de pensar no todo, são identificados os subproblemas que compõe o todo e estes são resolvidos um a um. As soluções individuais destes problemas resultam na solução do todo.


O corpo humano quando apoiado sobre o chão pode ser pensado como uma mesa. O tronco é o topo da mesa, os braços e as pernas são os suportes. Toda queda e toda raspagem pode ser interpretada como remover um suporte e empurrar o centro de gravidade nesta direção. Dividir o corpo em seus quadrantes e conquistá-los é a resposta de toda raspagem no Jiu-Jitsu. Muitas vezes nem é necessário dominar todos os quadrantes, Ryan Hall disse “¾ do que as pessoas fazem na guarda pode ser substituído por subir no single leg e aprender a não ser ruim nisso”.


Outro conceito é a Programação Dinâmica, onde problemas já resolvidos tem a solução repetida e são meramente reaproveitados quando encontrados. Já dizia a banda Wu-Tang Clan: “protect your neck!” (proteja seu pescoço!). A cabeça é o volante do corpo e jamais pode ser dominada. Quando numa situação em que a cabeça é controlada de alguma forma, não cabe ao atleta ponderar o que fazer, deve remover este controle o mais rápido possível e de preferência evitá-lo completamente. Pegada na lapela? Remover imediatamente. Estes são gatilhos para problemas já resolvidos. Ao encontrar estas situações o atleta deve ter a disciplina de atender suas soluções imediatamente.



Realizabilidade: trabalhar com o que está disponível


O nome Jiu-Jitsu, dos caracteres japoneses [柔] “Jiu” e [術] “Jitsu”, é traduzido tipicamente como arte suave ou arte gentil. O caractere “Jiu” pode ter muitos significados e é usado para descrever coisas macias, como travesseiros, coisas flexíveis, como o bambu, ou até mesmo a habilidade de flexibilidade de uma pessoa. Traduzimos esse caractere como “suave” ou “gentil” pois não possui uma tradução direta fora do japonês, seja no português ou inglês.


Muitas vezes, em nossa prática, tentamos forçar posições ou insistimos em ações que não estão dando resultado. Curiosamente, esse aspecto da arte marcial também se reflete em nossas vidas. O "Jiu" trata de fluir, em vez de resistir. É sobre aceitar o que nos é apresentado e trabalhar com isso, sendo mais como um rio que contorna obstáculos, e menos como uma rocha que se opõe à correnteza.


Foi um momento marcante na história da Inteligência Artificial quando o computador Deep Blue, da IBM, derrotou o grande mestre de xadrez Garry Kasparov em 1996. No segundo jogo, Kasparov estava visivelmente perturbado. Levantou-se da mesa e abandonou a partida. Em entrevistas, ele expressou indignação por um movimento realizado pelo computador. Esse movimento foi tão surpreendente e inesperado que Kasparov acusou a equipe da IBM de trapacear. Em uma situação incomum, com muitas opções de jogadas e nenhuma claramente superior, o computador optou por um movimento aleatório. Essa escolha confundiu toda a sequência de jogadas de Kasparov. O computador escolheu fluir.


Alguns movimentos não funcionam para nosso corpo. Algumas estratégias não funcionam para nossa forma de pensar. Encontrar o seu Jiu-Jitsu é aceitar o que é possível. Na próxima vez em que estiver num treino travado, escolha fluir.



Algoritmo das posições e técnicas: fluxograma das possibilidades determina o fluxo da luta


Existe uma hierarquia de posições no Jiu-Jitsu. Com algumas poucas controvérsias, essa hierarquia é dada pela seguinte ordem de posições da mais dominante para a mais dominada:


Montado nas costas

Nas costas

Montado

Joelho na barriga

Controle lateral

Oponente na guarda

Oponente em quatro apoios


Em quatro apoios

Dentro da guarda do oponente

Oponente no controle lateral

Oponente com joelho na barriga

Oponente na montada

Oponente nas costas

Oponente montado nas costas



   


Observa-se o espelhamento da hierarquia. Existe uma divisória entre a posição de quatro apoios, pois esta é uma posição efetiva quando usada ofensivamente. O maior exponente desta técnica é Eduardo Telles. Esta posição perdeu a condição de guarda no esporte do Jiu-Jitsu, porém pode ser utilizada tão efetivamente quanto a guarda. É numa situação de defesa pessoal ou MMA que esta posição deixa de ser tão vantajosa.


A posição montada nas costas é definitivamente a mais ofensiva de todas. O oponente deitado no chão possui pouquíssimas opções para escapar, enquanto quem está montado possui uma vantagem enorme, tanto no esporte quanto na defesa pessoal ou MMA. Golpes na nuca podem ser fatais, por este motivo são proibidos no MMA, e essa opção possibilita isso sem qualquer oportunidade de defesa da pessoa dominada. Para fugir desta posição o oponente precisa buscar a posição quatro apoios, uma perna para girar na guarda ou emborcar. Todas são alternativas difíceis enquanto a pessoa dominante está atacando.


Existe a controvérsia da superioridade entre domínio das costas ou da montada. Roger Gracie é o principal exponente a favorecer a montada, enquanto outros atletas de destaque como Marcelo Garcia preferem o domínio das costas. A qualidade da posição é determinada pelo que se considera importante. Na Computação essa qualidade é determinada por uma função conhecida como função objetivo.


Deve-se responder qual é o objetivo a ser atingido para então considerar a qualidade de algo. O domínio das costas pode ser considerado mais importante ao observar que uma pessoa mais leve não pode ser empurrada e tem diversas opções ofensivas, enquanto a pessoa com as costas dominadas precisa primeiro virar de alguma forma para então buscar opções ofensivas. A pessoa com as costas dominadas também pode colocar peso sobre a pessoa nas costas, imobilizando-a. A luta com ou sem pano também influencia a qualidade. O domínio da montada pode ser considerado mais importante na luta com pano, pois há a possibilidade do estrangulamento cruzado usando a lapela. Uma pessoa mais forte e mais pesada também consegue dominar melhor essa posição ao saber distribuir seu peso, usar seu quadril para projetar força contra a pessoa embaixo e afastar as opções de escapada. Numa situação de defesa pessoal ou MMA a montada, especialmente com controle das pernas, possibilita o uso de golpes que não são tão poderosos a partir das costas.


O joelho na barriga sofre com a falta de valorização no esporte, utilizado temporariamente para obter pontos, transitar para outra posição, ou iniciar ataques. Numa situação de defesa pessoal esta posição é valiosa já que permite o domínio superior, a possibilidade de levantar e fugir, e observar os arredores.


O controle lateral é provavelmente a posição favorita dos faixas-brancas. Nesta posição a pessoa dominante e a pessoa dominada estão em posições perpendiculares, a diferença é quem tem apoio da gravidade e pode projetar peso sobre o outro. O praticante de Jiu-Jitsu começa a se sentir mais confortável na posição inferior quando aprende a usar estruturas (frames), e a usar seus pés, pernas e quadril para se movimentar a fim de escapar do peso da pessoa de cima e projetar força contra a pessoa de cima. Enquanto os domínios da montada e costas dependem de maior habilidade para manter a posição, o controle lateral é mais fácil de ser aprendido e demanda menos habilidade para ser mantido.


A guarda é a posição definitiva do Jiu-Jitsu. É a posição diferenciadora do Jiu-Jitsu como esporte e arte marcial. Enquanto outras artes consideram o solo como o fim, no Jiu-Jitsu é a continuidade da luta. Alguns dizem que a guarda, particularmente a guarda fechada, é uma posição neutra. Discordo em absoluto. A guarda é uma posição superior a todas as outras em que a pessoa está com o corpo encostado no solo. O guardeiro possui diversas opções. Pode atacar, pode raspar, pode travar e pode levantar. O passador só tem uma opção, passar a guarda. Na situação da guarda fechada a condição do passador é pior ainda, pois ainda precisa abrir a guarda antes de realizar qualquer ação efetiva.



Maximizar o nosso resultado e minimizar o do adversário


Jogos de soma zero são aqueles em que um jogador ganha (+1) e o outro perde (-1). A Teoria de Jogos ensina que nestes jogos a estratégia superior é conhecida como minimax. Nesta estratégia deve-se buscar minimizar os resultados do adversário e maximizar os próprios resultados.


Foi discutido sobre o Jiu-Jitsu ser diferente do xadrez. Enquanto no xadrez as regras do jogo ditam um movimento por vez, no Jiu-Jitsu o atleta deve sempre buscar maximizar sua quantidade de movimentos e minimizar a quantidade de movimentos do oponente. Em lutas de alto nível uma característica marcante é o atleta dominante ganhar terreno e não permitir o outro atleta recuperar.


Rickson Gracie ensina a seus atletas a se perguntarem na luta: “Estou confortável? Como posso ficar mais confortável? Meu oponente está desconfortável? Como posso deixá-lo mais desconfortável?” - Este é o caminho minimax no Jiu-Jitsu.


Uma estratégia efetiva de treino para aprender a aplicar minimax é treinar por pontos. Em seu próximo treino de competição foque nos pontos. Tente maximizar sua pontuação e minimizar a pontuação de seu colega. A aplicação disciplinada desta abordagem no treino irá ensinar o princípio minimax.



Persistência na resolução dos problemas


Desenvolver algoritmos é difícil. Existem infinitudes de possibilidades a todos os momentos e espero ter deixado claro neste texto como esse problema pertence também ao Jiu-Jitsu. Todo programador conhece a frustração de trabalhar por dias, ou às vezes até anos, em um problema e não chegar numa resposta. O que eu chamo de ciclo do gênio-burro consiste no programador encontrar um problema difícil, trabalhar por incontáveis horas frustrantes para resolvê-lo, sentir-se um burro para então encontrar inesperadamente a resposta. Neste breve momento o programador encontra-se nos Campos Elísios, o sol brilha sobre sua face e um sentimento de soberba o apodera, naquele momento ele é um gênio indomável, nada o abala. Até que ele encontra o próximo problema.


Admito que quando era mais novo e li textos do Kyuzo Mifune e do Jigoro Kano não entendia a arte marcial como uma ferramenta de crescimento pessoal. No meu entendimento era em partes um exercício, em partes uma brincadeira, em partes uma chance para extravasar raiva fisicamente.


Foi em minha carreira profissional onde aprendi uma lição que estava sempre presente no Judo e no Jiu-Jitsu, mas não percebi: quando você aprende algo difícil, aprende também algo sobre si.


A perseverança é uma característica essencial a ser desenvolvida na arte marcial. Trata-se não somente da perseverança física, mas também a resiliência mental e a dedicação constante a melhoria. Não importa melhorar muito, não importa melhorar mais que outro, importa simplesmente melhorar no hoje um pouco mais do que no ontem.


O praticante da arte frequentemente encontra-se em posições difíceis e desconfortáveis. Todo mundo já quis desistir debaixo de alguém que sabe aplicar pressão. A perseverança jaz em não desistir quando se encontra preso e lutando para escapar de uma posição dominada. Neste momento você busca dentro de si e encontra a força de vontade para continuar lutando e resolver os desafios postos a sua frente. Assim como fazemos isso no Jiu-Jitsu, aprendemos também a tirar essa lição do tatame e aplicá-la em nossa vida.


São duas as faixas com maior desistência no Jiu-Jitsu. A faixa azul e a faixa preta. A faixa azul, e digo por experiência própria de quem já parou na azul para voltar depois de muitos anos, é o primeiro horizonte. É o primeiro objetivo estabelecido pelo praticante de jiu-jitsu. É como terminar a primeira fase de uma montanha e, ao olhar para cima, se assustar com a altura do que ainda resta pela sua frente. Já na faixa preta o praticante chega ao topo da montanha e muitas vezes vê nesse ponto o fim da sua jornada, enquanto outros entendem a possibilidade de descer a montanha e subir novamente, tomando outras rotas. Há algo poético em não ter como objetivo o fim, mas sim a jornada.


[術] “Jitsu” significa arte em japonês. Arte é a expressão de emoção por meio de técnica. É necessário perseverança do praticante e compromisso ao aprendizado e melhoria contínua desta técnica. A infinitude do Jiu-Jitsu sobrecarrega muitos praticantes. Os períodos de estagnação da técnica, os platôs, frustram. Aqueles com perseverança para aguentar estas fases, mantendo sua curiosidade e compromisso com o desenvolvimento da técnica aprendem sobre o significado verdadeiro do que os japoneses chamam de Kaizen.


Existe uma técnica especial para escapar de qualquer submissão: dois tapinhas. A primeira grande lição para o iniciante em Jiu-Jitsu é vencer seu ego e aprender o uso desta técnica. A derrota é uma experiência banal no Jiu-Jitsu. Seja no treino ou em competições. Penso às vezes que se não uso essa técnica pelo menos uma vez no treino, estou treinando errado, não estou arriscando o suficiente ou tentando coisas novas. A perseverança está presente em ter coragem para aprender com as perdas e erros, usando-os como oportunidades para crescimento e não como vergonha ou desânimo. Um mestre da arte perdeu muitas mais vezes do que o praticante sequer tentou. Cada derrota é um degrau no caminho da maestria.


Definir objetivos é essencial neste caminho. A perseverança implica em manter o compromisso com seus objetivos, seja atingir a próxima faixa, aprender uma técnica, ou competir em um novo nível. É preciso esforço consistente e a força de vontade para vencer obstáculos no caminho de cada objetivo.


Estes obstáculos surgem como lesões ou problemas diversos na vida. A perseverança trata de construir resiliência mental, aprender a se recuperar, adaptar, e voltar mais forte. É a determinação para continuar quando você não tem mais forças para avançar, quando o progresso se torna mais lento ou para.


A perseverança é constante na jornada de auto-descobrimento, melhoria contínua e crescimento pessoal que o Jiu-Jitsu nos ensina. É cultivar um modo de pensar em afastar consistentemente o conforto pessoal e dar as boas-vindas aos desafios, dentro e fora dos tatames.



"Nós somos o que repetidamente fazemos, portanto, a excelência não é um ato, mas um hábito." - Aristóteles


Daniel Cavalcanti Jeronymo é graduado em Engenharia de Computação (PUCPR), mestre em Engenharia Elétrica (UFPR), doutor em Engenharia de Automação e Sistemas (UFSC), e Professor do Magistério Superior na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Possui experiência em Judô e é faixa marrom em Jiu-Jitsu.

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